Substituição do índice nos contratos de locação imobiliária
O aumento atual e generalizado dos preços, em razão pandemia do Covid-19, preocupa toda sociedade civil brasileira uma vez que impossibilita a aquisição diversos bens de consumo necessários, bem como pela difícil manutenção dos objetivos empresariais dos diversos modelos de negócios existentes.
O reajuste dos valores das prestações mensais de aluguéis, especialmente os empresariais, resulta em vultuosa discussão jurídica a respeito do índice a ser parametrizado no cálculo para se auferir a sua correção.
O Índice Geral de Preços do Mercado (IGP-M) é o utilizado para a correção dos aluguéis imobiliários, o qual é resultado, em síntese, de outros 3 índices de correção, nas seguintes proporções:
60 % do IPA-M (Índice de Preços ao Produtor Amplo Mercado);
30% do IPC-M (Índice de Preços ao Consumidor Mercado); e
10% do INCC-M (Índice Nacional de Custo da Construção Mercado).
Como se pode ver, a maior parte do IGP-M é calculado a partir do IPA-M, que é o indicador representativo dos preços de atacado e produtos industriais do país.
De acordo com a Associação Comercial de São Paulo – ACSP – com o dólar valorizado atualmente, há uma tendência brasileira a exportar mais alguns produtos, esse movimento provoca a escassez desse item no Brasil e, por consequência, o seu valor aumenta. Alimentos básicos, como arroz, feijão e óleo, por exemplo, sofrem os efeitos dessa variação. Disponível em: https://acsp.com.br/publicacao/s/alta-do-igp-m-o-que-isso-significa-e-como-afeta-a-sua-vida
Existiria alguma solução jurídica para se contornar a situação?
A resposta é positiva se observarmos os diversos institutos do Código Civil que respaldam a imprevisibilidade dos negócios jurídicos, autorizando a mudança de índices com percentuais de acúmulos menores.
Veja-se que o art. 317 do Código Civil dispõe que:
Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação.
No mesmo sentido é o art. 421, que dispõe acerca da função social contratual e o art. 422, que insere a cláusula geral de boa-fé contratual, ambos do Código Civil, verbis:
Art. 421. A liberdade contratual será exercida nos limites da função social do contrato.
Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.
A solução obtida para a redução do reajustamento dos aluguéis, é a substituição do índice para o IPCA – Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo – que acumula percentual até 3 vezes menor que o IGP-M.
Em agosto de 2021 o IGP-M acumulou 31,13% nos últimos 12 meses, em relação ao IPCA que o valor foi 8,99% no mesmo período, o que justifica a sua utilização para impedir onerosidade excessiva ao locatário.
A imprevisibilidade contratual resulta claramente no grande aumento do índice que é usualmente utilizado para o reajustamento de locações imobiliárias, o qual acumula percentuais jamais esperados em qualquer tipo de negócio.
Esse entendimento é corroborado, inclusive, pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, veja-se:
Ação revisional de aluguel. Locação em shopping center. Pretensão de substituição do índice IGP-M de reajuste dos aluguéis para outro indexador, o IPCA. Pandemia de Covid-19. Índice IGP-M que registrou um acumulado anual de 25,17% em janeiro de 2021, ultrapassando os 30% em agosto. Expressiva alta do indexador que caracteriza, no caso em tela, motivo imprevisível disposto no art. 317 do Código Civil. Justamente pelo cenário contemporâneo revelar um aumento despropositado do índice IGP-M previsto em contrato é que se demanda, excepcionalmente, a substituição, já que deixou de cumprir a sua finalidade primordial que é a de manter o equilíbrio contratual, passando a representar onerosidade excessiva para uma parte e manifesta vantagem para outra. Pretensão da locatária de que o índice substituído perdure até o final do contrato e não apenas até a próxima atualização. Descabimento. O acontecimento imprevisível que desequilibra a relação entre particulares, e que autoriza a intervenção excepcional praticada, deve ser aferido de forma contemporânea, não sendo prudente engessar a forma de reajuste do contrato para até o ainda longínquo prazo final da locação, se eventualmente renovada, como quer a locatária. Sentença mantida. Recursos improvidos. (Apelação Cível nº 1016625-54.2021.8.26.0100, 32ª Câmara de Direito Privado, Relator: Ruy Copola. 07/10/2021)
A intervenção judicial é excepcionalidade quando se trata de negócios jurídicos havidos entre partes legítimas e capazes, em atenção ao princípio do Pacta sunt servanda, que traduz a força obrigatória dos contratos.
Entretanto é de se reconhecer que a onerosidade excessiva trazida por fatos alheios e imprevisíveis entre as partes, que é o caso do aumento exponencial do IGP-M, merece acolhimento e tutela jurisdicional para o devido restabelecimento do equilíbrio econômico, substituindo o índice utilizado.
A situação posta em debate não reflete apenas nos locatários de imóveis, mas, também, nos locadores que, a princípio, podem até sentirem-se beneficiados com a alavancada do índice em questão, entretanto, no médio e longo prazo, a utilização do índice poderá vir a inviabilizar a manutenção do contrato, gerar inadimplemento e a judicialização do contrato para a solução da controvérsia.
Por tais motivos, diante do cenário de retração econômica que se apresenta em virtude da pandemia mundial da Covid-19, o ideal é que ambas as partes contratantes usem do bom senso e busquem encontrar uma solução amigável para o caso.
Por Antônio Marcos Orletti, assistente jurídico no Carreira e Sartorello Advogados Associados.